Residente – This is Not America: uma obra sobre ancestralidade latino-americana, luta sociopolítica e crítica ao globalismo econômico/cultural estadunidense

24 de março de 2022 Processocom

Rapper porto-riquenho e a dupla franco-cubana Ibeyi trazem série de questões relacionadas ao continente americano, incluindo Jair Bolsonaro

Por Raiana Rodrigues

Nada diferente do que vem produzindo Residente com a dupla franco-cubana Ibeyi, “This is Not America” é uma obra que aprofunda críticas aos problemas socioeconômicos, políticos e culturais da América Latina. Buscando abordar questões como a intervenção dos Estados Unidos, a nocividade do capitalismo e o imperialismo, especialmente sobre as comunidades tradicionais, a música destaca o histórico sangrento de violência e invasões nos países latino-americanos.

Ainda que morando atualmente nos EUA, René sempre fez duras críticas ao modo como tudo é voltado para o país. O clipe recém produzido tem como centro principal sua crítica no fato de que a América não é só os EUA. Por isso, ressalta: “América no es solo USA, papá / Esto es desde Tierra del Fuego hasta Canadá / Hay que ser bien bruto, bien hueco /Es como decir que África es solo Marruecos”.

Um mergulho nas referências do clipe

Contendo inúmeras referências visuais, sonoras e de composição musical que aparecem em seu vídeo, os traços latino- americanos e a música experimental, característica do próprio rapper, trazem um riquíssimo cambio intercultural que nos faz todos parte de um.

Logo na abertura do clipe, já vemos a primeira referência a obra do artista chileno Alfredo Jaar exibida na famosa Times Square em 1987.


Como bom porto-riquenho, Residente também lembra a ação direta liderada pela nacionalista porto-riquenha Lolita Lebrón com Rafael Cancel Mirando, Andres Cordero e Irving Flores na Câmara dos Deputados dos Estados Unidos em 1954 que exigiam independência total de Porto Rico, que dois anos antes havia se tornado um commonwealth estadunidense.(a ativista foi relembrada em seu filme Residente).

Avançamos para a distinção entre Tupac Amaru Shakur (2Pac) – rapper estadunidense, considerado um dos melhores e mais importantes rappers de todos os tempos. Enquanto temos representado a icônica a morte de Tupac Amaru II, líder inca indígena peruano que comandou a insurreição contra a metrópole espanhola em 1780.

Em 2019, a foto de uma mulher amamentando seu bebê na fronteira entre os Estados Unidos e o México viralizou na internet. Apesar de a foto não ser de 2019 e sim de 2013, a imagem trouxe a tona o drama das crianças separadas de seus pais durante a política de imigração de “tolerância zero” do presidente Donald Trump, na fronteira entre os países.

Logo em seguida temos uma menção às representantes femininas do Exército Zapatista de Libertação Nacional, grupo revolucionário de Chiapas, no México, na cena em que Residente lembra que “Pero ni con toda la marina / Pueden sacar de la vitrina la peste campesina / Esto va pa’l capataz de la empresa / El machete no solo es pa’ cortar caña / También es pa’ cortar cabezas.”

Já relativamente no meio da música, vemos representação de crianças indígenas de vários países sentadas em cima de produtos de corporações multinacionais. Uma crítica aos grandes expoentes da indústria, como Mc Donalds, Coca Cola, Amazon e Starbucks, que influencia a economia global e imprimem o estilo de vida da cultura estadunidense. 

Ouso dizer, que foram poucas às vezes que Residente mencionou o Brasil diretamente em suas músicas, mas aqui pode-se observar que ao logo do vídeo, o rapper busca inúmeras vezes posicionar o Brasil como parte da América Latina. No clipe, ainda faz uma crítica ao presidente Bolsonaro com relação aos danos ambientais causados pelo desmatamento, além da falta de políticas para os povos indígenas. Há também outras referências como a dualidade futebol/narcotráfico e uma citação do filme “Cidade de Deus” (2002).

A cena mais impactante do vídeo remete ao assassinato do músico Victor Jara pela ditadura de Augusto Pinochet. Mencionando a música de Childish Gambino “This is America“, que aponta problemas sistêmicos dos Estados Unidos, brutalidade policial, identidade afroamericana, mas com o olhar interno de um estadunidense, René propõe uma resposta, pelo próprio nome da música ser América, e não englobar os problemas que não são só vividos nos EUA. “Más de cien años de tortura / La nova trova cantando en plena dictadura / Somos la sangre que sopla la presión atmosférica / Gambino, mi hermano /Esto sí es América”

Ainda na letra encontramos, por exemplo, resquícios de frases do livro “As veias abertas da América Latina“, de Eduardo Galeano, a onda de protestos nas ruas venezuelanas em 2017, protestos ocorridos em 2020 na Colômbia, referências a movimentos históricos em toda América Latina e também indiretas a artistas e críticos sobre o que a palavra AMÉRICA representa para os latino-americanos. René escolhe muito bem seus recortes de representação da América Latina. Assim considero que essa música atualiza a canção criada por ele e a Calle 13, Latinoamerica.

Desde o lançamento do clipe, explodiram nas redes sociais comentários e compartilhamentos do vídeo listando as dezenas referências presentes nele. A partir disso, fazendo uma análise previa e rápida, das reações e comentários de cinco dias depois do lançamento do clipe, pude constatar que as pessoas que são seus fãs e seguidores não só apreciaram a música como também se reconheceram nas lutas passadas e atuais dos países representados. Houve um movimento rico e de troca de cultura por meio dos comentários nas plataformas sociais, Youtube e Instagram, onde as pessoas traziam com mais profundidade os fatos apresentados e também não conhecidos por pessoas que vivem em países distintos. É muito interessante perceber como o público de René se difere de muitos outros artistas, um público que pensa, analisa e critica enquanto curte a música urbana.

Quem é o Rapper René Joglar Pérez (RESIDENTE)?

René Pérez Joglar, conhecido como Residente, é vocalista da banda Calle 13 (em hiato). Em 2017 inciou sua carreira solo e lançou seu primeiro álbum intitulado “Residente“, com sonoridade baseada em referências de países e regiões que visitou e nas quais seus antepassados têm suas origens. Com esse álbum, venceu a categoria de Melhor Álbum de Música Urbana na edição de 2017 do Grammy Latino.

Reconhecido por fazer música experimental com letras de cunho social e político, René também é notado pelos seus esforços humanitários e seu compromisso social, que foram sempre  muito presentes em toda sua trajetória como cantor. A preocupação em visibilizar e lutar pelos direitos dos cidadãos nos países latino-americanos sempre chamaram a atenção da grande mídia.

Em um de seus últimos trabalhos, ele utiliza o conceito das frequências cerebrais para criar sons que ao final se convertem em canções. Apesar de termos ideias distintas, nossos cérebros carregam milhões de neurônios e quando concordamos com algo, eles se colocam de acordo. Esse é o ponto que René utiliza, a ideia de colaborar com pessoas distintas a ele para poder captar no certo momento essa conectividade. Duas músicas foram lançadas, Bellacoso (2019) feita com a colaboração de Bad Bunny e Pecador (2019), utilizando as ondas cerebrais de um amigo muçulmano onde as melodias seriam cantadas por um coro católico.

Para se aprofundar mais no tema:

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