Jornalismo humanizado e o papel da subjetividade nele

30 de junho de 2021 Processocom

Texto livre escrito por Milena Silocchi

Esta breve análise parte da perspectiva da subjetividade nas produções jornalísticas, contrapondo os processos de criação das grandes redações. Como aporte, utilizei o livro “O Nascimento de Joicy”, escrito por Fabiana Moraes e publicado em 2015 pela Arquipélago Editorial.

Entende-se a partir da visão da autora, que a teoria do jornalismo privilegia a objetividade como norteador máximo, desconsiderando ou deixando de dar devido valor a outros elementos da narrativa, até mesmo mais importantes. Estes, que só são aprofundados por meio da subjetividade. Isso não significa excluir uma, mas sim fazer com que elas andem juntas, uma complementando a outra, a fim de obter o melhor resultado, inclusive a verdade. Requisito este, que faz parte da ética do profissional em passá-la para o público, que por vezes não é apurada devido a outros fatores, como a velocidade de entrega da informação.

Ao mesmo passo, há um conflito entre as duas dimensões. Não é de hoje que o trabalho do jornalista sofre impasses em relação ao tempo. A rapidez com que notícias são disseminadas, principalmente quando repletas de informações falsas, são uma preocupação no meio – o que resulta em uma corrida contra o tempo para revelar a verdadeira história. Outras causas também estão associadas, como interesses comerciais, e de certa forma, um comodismo por parte de alguns profissionais. 

No livro de Fabiana, ela confronta a ideia do jornalismo “engessado”, pautado por regras. Percebe-se que esse conceito não se aplica mais na realidade atual, tendo em vista as grandes mudanças sociais, principalmente de cunho cultural, além da ascensão da era digital. Assim, podemos pensar a profissão hoje como uma indústria em que a qualidade foi colocada de lado.

A crueldade do modo de produção capitalista não tem deixado muitas brechas para que possamos ter esperanças num jornalismo melhor. As brechas estão surgindo por meios alternativos e é ali visto algumas boas alternativas. (IJUIM, 2016, p. 7)

A rotinização consequentemente desencadeia uma simplificação na hora da prática, deixando ser dominada pelo senso comum. Contudo, como defendido pela própria autora, é preciso sair desse cenário regrado da grande mídia para descobrir as verdadeiras histórias e todas as suas facetas. Ressaltando que, as interpretações dessas histórias sofrem interferência direta das vivências de cada indivíduo. E, desconsiderá-las, nos faz novamente ser cegados pelo senso comum.

Para sair dessa linha convencional de produção, a subjetividade ganha espaço como recurso. Ela reconfigura o conceito de fazer jornalismo, passando para um contexto de humanização. Neste caso, o roteiro de pauta muda suas prioridades, sendo o “quem” mais importante que “o que” na construção da narrativa. Isso porque o repórter está agora se relacionando não mais com um objeto, mas sim com outros seres humanos, e isso necessita de uma compreensão maior.

Na mesma linha de pensamento dos autores, Criselli Montipó, Suyanne Tolentino de Souza e Luis Costa Pereira Junior sobre humanização no jornalismo, há a escritora e jornalista gaúcha, Eliane Brum. Em uma entrevista para Agnes Francine de Carvalho Mariano, revela seu método de trabalho nas reportagens e sobre o processo de escuta. O trecho a seguir foi resultado desta conversa, posteriormente publicado no “Em Questão”, periódico científico da área de Ciência da Informação da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

Escutar é muito mais do que tu ouvir. Escutar é tu não interromper quando a pessoa está falando. É tu não esperar que ela fale uma coisa quando ela não fala o que tu quer e então tu acha que não está bom. Escutar é estar aberto para o espanto, é estar aberto para se surpreender. É tu te despir. Eu acho que cada reportagem, cada entrevista te exige isso: é tu te despir daquilo que tu é, dos teus preconceitos, da tua visão de mundo e chegar o mais vazia para aquele momento e conseguir realmente escutar com todos os sentidos o que aquela pessoa está dizendo (2011, p. 310).

Assim, para trabalhar um jornalismo humanizado eficiente, o repórter deve livrar-se de preconceitos e estereótipos, uma vez que eles interferem no processo de construção. Nele, atribui-se uma “aproximação” entre repórter e entrevistado. Quando isso não ocorre, tende a ser mais objetivo e passível de erros em relação ao que procura-se alcançar.

Entender as complexidades de cada indivíduo é um fator determinante. Por isso, a importância de despir-se dos julgamentos já existentes e mergulhar na fonte. Vivenciar da mesma forma que ela seus problemas, para então entender a fundo sua vida e seus sentimentos. Isso significa valorizar quem são e quais as suas histórias, e não mais o personagem por causa de sua história. Em poucas palavras, a subjetividade vai além das aspas.

O jornalismo ganha o sentido de humanizado quando sai do individual e passa para o coletivo, pensando em problemáticas universais. Isto é, manter o equilíbrio entre questões particulares da fonte que se assemelham aos problemas de um todo, é na verdade saber dosar. 

O mesmo cuidado deve acontecer na formulação de questionamentos das fontes para não induzir respostas a ideias pré-estabelecidas do senso comum. Como também na maneira de apresentar ao público, respeitando cada ser e suas singularidades. E para isso, há a necessidade de um planejamento de abordagem.

Deste modo, compreende-se que a subjetividade vai além, revelando complexidades, das quais a objetividade sozinha não seria capaz e explicando a realidade tal como ela é. Como descrito no capítulo “O subjetivismo como elemento político”, os jornalistas e o público possuem a responsabilidade de seguir superando esta verdade montada para atingir o senso crítico. 

Como resultado, um jornalismo que aposta na conversa com o público e conecta-se com ele, obtém maior qualidade em seu conteúdo final. E, quando levado para a prática, mesmo que os veículos comunicacionais sejam taxados como fábrica de notícias, há novos espaços para a profissão adentrar. E assim, redescobrir a sua essência. A prova disso está nos novos portais independentes que prezam por matérias aprofundadas, mesmo que para isso, percam o ‘furo” de reportagem, tornando-se mais confiáveis que algumas mídias tradicionais.

Sinopse: Neste livro arrebatador, Fabiana Moraes conta a história de um árduo rito de passagem. Narra, do início ao fim, a longa saga de um ex-agricultor que procura o serviço público de saúde para adequar seu corpo masculino ao feminino que traz em si. Escreve sobre a dor, o suor, o assombro e a alegria de produzir a reportagem, publicada sob polêmica e aclamação em abril de 2011. E expõe sem reservas a complicada relação com seu personagem. Num ensaio pioneiro, Fabiana apresenta o conceito de jornalismo de subjetividade, defendendo um olhar mais profundo na contemplação do mundo e dos seres humanos.

Sobre a autora: Fabiana Moraes nasceu no Recife. É jornalista, documentarista e professora pesquisadora do Núcleo de Design e Comunicação Social da Universidade Federal de Pernambuco (campus Agreste). Como repórter, foi vencedora de três prêmios Esso, um da Embratel e um da Petrobrás, entre outros. Também é autora dos livros Os Sertões, Nabuco em Pretos e Brancos e No País do Racismo Institucional.

* Informações retiradas do site Amazon.

Referências bibliográficas:

BORTOLI, Suzana Rozendo. JORGE KANEHIDE IJUIM: SOBRE O JORNALISMO HUMANIZADO. Brasil; edição 13, Revista Alterjor, 2016.

JUNIOR, Luis Costa Pereira. A apuração da notícia. Métodos de Investigação na Imprensa. Editora Vozes; 2006

MARIANO, Agnes Francine de Carvalho. Eliane Brum e a arte da escuta. Brasil; Em Questão UFRGS, v.17, n. 1, 2011.

Montipo, Criselli; Souza, Suyanne Tolentino. Por que humanizar o jornalismo audiovisual? Um relato da experiência no projeto de extensão da Sala de Notícias da PUCPR. IV Encontro Sul-Brasileiro de Professores de Jornalismo, 2017.

MORAES, Fabiana. O Nascimento de Joicy. Arquipélago Editorial LTDA; 2015. 

Foto: Priscilla Du Preez / Unsplash

#jornalismo#subjetividade

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