Uma semana de pesquisa em Caracas: impressões, comparações e aprendizagens
3 de dezembro de 2014 Processocom
Em tempos de efervescência no campo político, ter a possibilidade de conhecer um país cuja realidade ideológica e política são diferenciadas da nossa se mostra como uma experiência de abertura e crescimento crítico incomparável. Apesar da passagem rápida por Caracas, pudemos conhecer uma parte bastante interessante da cultura o do pensamento social que circula nas ruas, nas comunidades mais carentes, nas universidades, nos espaços de intercâmbio cultural.
A preparação para a ida ao Seminário Internacional de Metodologias Transformadoras desse ano estava tensionada pela sua localização. As notícias que chegavam pela grande mídia da situação econômica, política e social da Venezuela mostravam um país empobrecido, inseguro e pouco atraente para estrangeiros. Alguns integrantes do grupo mostravam-se preocupados com a longa viagem e com possíveis dificuldades no decorrer da semana do seminário. Toda essa tensão estava mesclada com uma curiosidade por poder vivenciar uma experiência socialista concretamente realizada.
A chegada e acolhimento em Caracas mostraram que essa preocupação era na verdade gerada por uma imagem deturpada da realidade Venezuelana. Deparamo-nos com uma população simples e hospitaleira que se locomove para o trabalho de transporte público lotado, mas ainda assim muito mais barato que no Brasil. Os altos índices de pobreza tão citados pela mídia internacional não apareciam de forma gritante como o esperado, estavam localizados nas comunidades periféricas, no comércio de rua, em alguns pontos da cidade historicamente conhecidos como violentos, ou seja, uma realidade com a qual todos já estávamos acostumados.
O preço dos transportes públicos foi um ponto impactante. Por algo equivalente a R$ 0,05 (cinco centavos de real) é possível utilizar o metrôe todas as suas linhas, num serviço rápido e eficiente. Por que essa ainda é uma realidade tão distante no transporte público brasileiro? O mesmo choque ocorreu com o preço da gasolina. Com aproximadamente R$ 2,00 (dois reais!) se enche o tanque do carro, feito que é possível pelo subsídio do governo nos preços dos combustíveis. Subsídio esse que se estende a vários serviços, como é o caso da indústria editorial.
Para nossa felicidade enquanto pesquisadores da comunicação, encontramos livros interessantes tanto do ponto de vista técnico quanto literário a custos baixíssimos, o que quase nos obrigou a pagar taxas de sobrepeso no retorno para casa. Da mesma forma, o acesso à cultura possui incentivos que permitem frequentar espaços privilegiados, como é o caso do Teatro Teresa Carreño. Nessa oportunidade, assistimos uma homenagem a Paco de Lucía com o violinista espanhol Óscar Herrero junto com a Orquestra Sinfônica da Venezuela.
Por ter como ponto central a Universidad Nacional Experimental de las Artes – UNEARTE, as atividades de todo seminário estiveram permeadas por um entusiasmo artístico instigante. A ocupação dos espaços internos e externos da universidade pelos alunos e suas práticas nos contaminou positivamente. Peças de teatro, apresentações de dança, hip-hop, estamparia de camisetas, intervenções culturais, manifestações políticas de apoio aos estudantes desaparecidos no México, realizações audiovisuais curtas, etc. estavam a todo o momento ocorrendo, algo que nos fez refletir sobre como utilizamos pouco os espaços e infraestrutura das nossas universidades.
Essa mescla de incentivo a cultura com a participação e acesso popular gera um cenário que não nos era conhecido e que pouco é tratado nos discursos construídos pela mídia sobre a realidade Venezuelana. Sabemos que todos os processos revolucionários são geradores de tensão entre classes e interesses, principalmente quando se trata um país cuja riqueza está na imensurável fortuna oriunda da indústria petroleira. Sob o ponto de vista de quem pesquisa a comunicação e suas inevitáveis imbricações com a cultura, essa experiência, ainda que curta, se mostrou como enriquecedora para a construção de um pensamento ainda mais problematizador sobre a cultura e sobre as suas potencialidades enquanto agente mobilizador e transformador sobre a sociedade. Fica, como aprendizado e expectativa, a ideia de que podemos, em um futuro promissor, repetir essas experiências no cenário social brasileiro.