Série “Saberes Populares”: O contato intercultural entre mestres do Amazonas e de Minas Gerais e a articulação de conhecimentos tradicionais
24 de maio de 2014 Processocom
Você se lembra das mestras Maria Eugênia e Margarida, do Amazonas? E do mestre quilombola Seu Badú, de Jaboticatubas-MG? Eles se encontraram lá no Quilombo Mato do Tição, na casa do Seu Badú e a gente foi junto para conferir.
Ao final da aula em que recebemos as mestras amazonenses Maria Eugênia e Margarida foi lançado um convite: ir junto aos alunos de graduação e às mestras, no dia seguinte (sábado, dia 15 de março) pela manhã, ao Quilombo “Mato do Tição”, onde vive Seu Badú – mestre popular que também já havia nos presenteado com seus ensinamentos em sala de aula. Seria uma oportunidade única de conhecer o quilombo e de presenciar o encontro entre os mestres, que até então não se conheciam e que trocariam conhecimento e raízes de manivas.
Ao chegarmos à comunidade quilombola, fomos recebidos com um maravilhoso almoço típico do interior mineiro feito por membros da comunidade, acompanhado de farinha de mandioca trazida pelas mestres amazonenses de Nogueira-AM. A todo instante as mestras amazonenses faziam comparações entre a culinária delas e a culinária quilombola mineira: sobre os tipos de pimenta, os temperos, as ervas para chá, os pratos a base de peixe etc.
Além de aprender sobre a culinária local, sobre os condimentos e ervas utilizados na gastronomia, pudemos conhecer a casa onde os fundadores da comunidade moraram e criaram seus filhos (que hoje são os mais velhos moradores do Mato do Tição), dentre eles Seu Badú. A casa tem 71 anos e é feita de adobe (ou “adobo”) e cascalho, materiais muito utilizados nas antigas casas de alvenaria. Os quilombolas do Mato do Tição lutam há cerca de 14 anos na Justiça pela restituição de parte de seu território, tomado por fazendeiros.
Conhecemos a igreja católica da comunidade, que é uma pequena capela que tem importante papel na rotina religiosa, política e cultural do quilombo. Na casa de Seu Badú, pudemos ouvi-lo falar sobre seu conhecimento de como cuidar da terra e das plantas sem precisar de produtos químicos, o ouvimos discutir com as mestras amazonenses sobre as semelhanças e diferenças do cultivo de plantas, sobretudo de manivas/mandiocas.
As mestras levaram raízes de manivas amazonenses que foram plantadas em nossa presença por seu Badú em seu sítio. Como agradecimento, ele deu várias mudas e raízes de plantas mineiras para as mestras plantarem no Norte do país. Apesar de modesto, o sítio de seu Badú reúne uma variedade incrível de plantas medicinais, frutas, verduras… e todas orgânicas! Ele inclusive me deu algumas folhas de uma planta (chamada Congonha de Bugre) para alguns sintomas que descrevi. Inacreditavelmente o chá dessas folhinhas me livraria de uma intervenção cirúrgica (mas isso eu só viria a descobrir duas semanas depois).
O solo desnivelado impressiona quem vem de regiões planas, como as mestras de Nogueira, que nunca imaginaram uma roça em uma região de morros, como a que viram no Mato do Tição. Também impressionam os métodos de Seu Badú, que mesclam conhecimento popular passado entre gerações, misticismo e experimentos empíricos naturais: suas “garrafadas” e seu pêndulo causam estranhamento aos mais céticos, mas são garantias de uma colheita farta, segundo o mestre quilombola.
Saímos do quilombo com duas mestras maravilhadas com tanto aprendizado e com uma turma de alunos satisfeitos com aulas de campo tão produtivas. Eu saí de lá abençoada por uma das irmãs de Seu Badú, carregando comigo folhas de uma plantinha que eu nunca tinha visto na vida, impressionada com a quantidade de coisas que vi, provei e aprendi, carregando a certeza de que aquela aula tinha valido por um semestre inteiro.
Veja aqui um vídeo gravado durante a visita ao sítio do Seu Badú na comunidade Mato do Tição.
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História e sincretismo nos quilombos mineiros – Um encontro com Mãe Tiana de Oxossi e Seu Badú
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