Traduções
9 de outubro de 2009 Processocom
Carmem Pereira
A idéia, noção de tradução é cara às nossas problemáticas identitárias e tanto nos fala de hibridismos inconclusos gerados pelas diásporas de ontem e hoje como remete ao conhecimento que essas problemáticas sugerem, quando a identidade passa pelo “direito a ser iguais sempre que a diferença nos inferioriza; a ser diferentes sempre que a igualdade nos descaracteriza”.
Não é intenção aqui esgotar uma definição de tradução, mas pensar como esta noção envolve a interculturalidade como algo que nos constitui em longa data, mas também que experimentamos e traduzimos, seja como representação, narração, ou como espaço, lugar para pensar as imbricações entre a desigualdade e a exclusão, o econômico, o social, o civilizatório. Em outras palavras: como a perspectiva da intercultaralidade pode levar, suscitar, fazer emergir outros conhecimentos?
Há, por assim dizer, alguns sinais que avizinham estes espaços, procurando articular reconhecimento e redistribuição como contra-tendência hegemônica, mas como reflete Boaventura de Sousa Santos, ainda não conquistaram a sua auto-reflexividade, isto é, não se desvelaram as separações e as inexpressões resultantes das práticas hegemônicas que desacreditam as ligações entre desigualdade e exclusão, redistribuição e reconhecimento. Desafios, portanto, para um novo conhecimento que se daria a partir de um conhecimento mais profundo sobre a dominação e a capacidade de luta contra ela. Daí que a noção de tradução novamente apareça como inteligibilidade mútua entre as duas dimensões da dominação, na medida em que determinadas lutas particulares ou locais possam estimular a mistura auto-reflexiva da política da diferença e da igualdade, da autonomia e da cooperação.
Há algo mais ainda que a noção vai fomentando. Se esse conhecimento geraria e poderia ser gerado por uma cultura política, que não está aí, pronta, mas que segue às vezes os impulsos da transculturação, das zonas de contato produzidas na modernidade e alicerçados pelas ondulações do mundo da vida, os modos de tradução a serem buscados abrangem, fundamentalmente, um horizonte que conceba os ‘outros’ como sujeito e que atente para o movimento das margens, para o que vem de baixo, incorporando as mesclas de sobrevivência, antidisciplina e transgressão, como energias de reinvenção emancipatórias.