Sobre “Os sete saberes necessários à educação do futuro” (Cap. 1 a 4) – Edgar Morin
24 de abril de 2023 Carine Nichele
No dia 01 de abril de 2023, o Grupo de Pesquisa Processocom realizou o primeiro encontro do ano. Na ocasião, debatemos os capítulos 1 a 4 do livro “Os sete saberes necessários à educação do futuro” de Edgar Morin. Divido neste espaço de partilha de conhecimentos algumas reflexões e problematizações que fiz durante a leitura destes capítulos.
Lendo o texto de Morin, relembrei diversos aspectos que foram discutidos em duas disciplinas no semestre passado: Transmetodologia, ministrada pelo professor Efendy Maldonado e uma disciplina que fiz no PPG em Ciências Sociais – Sociedade, Economia e Emancipação, com as professoras Marília Veronese e Adriane Ferrarini.
Minhas percepções iniciais sobre o livro se relacionam principalmente ao título, “Os sete saberes necessários à educação do futuro”. Antes de começar qualquer leitura, fico pensando o que o título comunica. Neste caso, especificamente, fiquei imaginando se teríamos um passo a passo sobre o que fazer para mudarmos a forma como gerimos a educação no dia-a-dia. Claro que Morin iria muito além dessa percepção inicial.
Lendo os capítulos 1 a 4, vemos que a palavra educação não é mencionada a todo instante. E o motivo me parece muito simples: temos grandes problemas que precisam ser discutidos e que passam despercebidos apesar de serem fundantes para uma reestruturação da educação. Assim, o autor se debruça em destrinchar os processos e realidades que afetam diretamente a nossa concepção sobre uma educação do futuro.
As ligações que fiz com a aula de Transmetodologia passam necessariamente pelas questões que temos enquanto sujeitos produtores de conhecimento. Como podemos ver no texto, temos as cegueiras, as ilusões, a crença demasiada nas próprias percepções que pode levar ao erro e também nosso convívio diário com ruídos e perturbações, como as fake news, por exemplo. Como bem colocado por Morin, o conhecimento passa pela percepção e cada sujeito tem uma percepção distinta baseada em sua realidade e vivências. São vários os pontos discutidos no texto, seja a forma como a afetividade no conhecimento pode asfixiar ou fortalecer, como podemos enganar nós mesmos com falsas memórias, nossa resistência aos posicionamentos contrários ou querermos apenas confirmar as nossas próprias crenças. Isso tudo culmina com uma racionalização que fecha o pensamento, que se torna doutrina.
De acordo com Morin, somos domesticados pela sociedade, ou seja, existem determinações sociais, econômicas, políticas e culturais e selos que nos condicionam, seja na família, escola ou trabalho. Os indivíduos conhecem, pensam e agem segundo paradigmas inscritos culturalmente neles. Isso é um processo natural e evolutivo, passar adiante os conhecimentos obtidos. Porém, podemos considerar que pela educação temos condições de superar determinadas visões distorcidas ou estereotipadas que adquirimos por meio de nossa socialização e, assim, transformarmos o pensamento.
Aqui estão aspectos fundamentais discutidos no texto: fortalecer uma racionalidade aberta que opera o ir e vir em movimento de autocrítica e a importância de contextualizar os fenômenos em espaço e tempo para que adquiram sentido. Assim, Morin também reforça como as realidades e problemas são multidisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacionais, globais e planetários. O todo e as partes são interdependentes, isso é visível em todos campos, como exemplo cito a guerra entre Ucrânia e Rússia que não afeta apenas aquele espaço geográfico, é uma guerra que transcende os limites territoriais.
Então, Morin faz outra crítica, ao pensarmos na sociedade tecnicista, na lógica mecânica e determinista que desconsidera o fator humano. Não podemos abstrair as complexidades porque somos seres complexos e vivemos em um mundo complexo. Nesse sentido, a educação deve favorecer aptidões naturalmente, como posso identificar no meu cenário de investigação da dissertação, a Cidade Escola Ayni, um espaço dedicado à autonomia e liberdade de ser das crianças. A visão descrita por Morin, das ciências fechadas em si mesmas e da forma como entendemos a especialização, torna visível como essas questões abstraem outras formas de ver os fenômenos. Por isso Morin cita a atrofia à disposição mental e a inteligência míope como fatores que reduzem a compreensão, a reflexão, a contextualização e a visão a longo prazo.
A partir dessas colocações de Morin, consegui fazer uma relação com a disciplina Sociedade, Economia e Emancipação. Quando Morin fala sobre a favelização urbana, fica claro o paradoxo do século XX, onde existe crescimento científico e cegueira para os problemas globais. Nesse sentido, relacionando com o contexto de século XXI, vemos o quanto estamos atrasados em níveis de desenvolvimento humano, pensando apenas nos desdobramentos econômicos enquanto muitas pessoas não possuem condições básicas de sobrevivência. Podemos entender que de forma geral quando os noticiários falam sobre desenvolvimento, estão falando de economia e de riquezas. Este é o grande problema, é urgente uma revisão da concepção que temos sobre desenvolvimento.
A Modernidade depositou todas suas fichas no progresso a todo custo, na tecnologia, na ciência e no desenvolvimento econômico. Ficaram esquecidos pontos fundamentais: o fator humano e a natureza. Como vi durante o semestre na disciplina mencionada anteriormente, hoje precisamos estar conscientes que a humanidade tem todas as condições para terminar com a pobreza do mundo. Só não o fazemos por que seguimos aceitando marcadores sociais de exclusão. O paradigma do desenvolvimento econômico e social é fundamentado numa ilusão de progresso, em que o crescimento é medido pelo mercado e não pela qualidade de vida das populações. A superação da pobreza é um projeto amplo de cidadania e desenvolvimento, o problema não é a produção, mas sim a distribuição dos recursos.
Nesse sentido, faço uma observação também relacionada à dissertação que estou construindo, pensando na dimensão ambiental, comunicacional e educacional do desenvolvimento. Tratando sobre a questão ambiental, o desenvolvimento sustentável passa necessariamente por um projeto de globalização alternativa, que possa viabilizar outras formas de economia, como vemos em cooperativas, movimentos sociais, economia solidária, empreendedorismo social e inovação social. Podemos nos questionar se realmente a sociedade vem dialogando com seu entorno e com a natureza, pois são muitos os problemas relacionados ao antropoceno e ao capitalismo de crise, que vê nos desastres naturais ou econômicos mais chances de crescer e expandir seu domínio.
A questão não é uma natureza intocada, mas um projeto econômico e social que ande junto com a natureza. Em todo período da história houveram conquistas e avanços, mas o preço foi alto demais. A redução de estoques de riqueza, os efeitos da degradação ambiental e os interesses das futuras gerações não são pensados no PIB. Conforme estou adentrando nos assuntos discutidos na dissertação, percebi que existem projetos acontecendo que envolvem a questão ambiental, a educação e a comunicação. Em alguns trabalhos acadêmicos essas iniciativas são tratadas como educomunicação socioambiental.
O que quero deixar como reflexão aos colegas de grupo de pesquisa e possíveis leitores deste texto, é a importância de introduzir temas relacionados às realidades dos estudantes, que possam identificar o que está dando certo, o que pode ser feito e os problemas que precisam ser discutidos. No cenário que investigo, por exemplo, a Ayni está localizada na cidade de Guaporé e em toda a região existem lavouras de milho, soja, uva, árvores de corte, entre outros. Muitos dos locais de plantio antes tinham fontes de água potável, que foram extintas em nome da maior produção, tendo em vista que as fontes necessitam de uma margem segura com árvores no entorno, o que tomaria algum espaço das lavouras.
Porém, hoje, alguns produtores já percebem o problema que foi causado, pois em tempos de seca não apenas a plantação carece de água, como os animais e as pessoas também. Projetos de educomunicação socioambiental podem justamente operar neste sentido, propondo debates sobre agricultura regenerativa, cuidados com agrotóxicos e o destino correto do lixo. Como relato pessoal, morando no interior com muitas alternativas possíveis de preservação, ainda presencio descaso das comunidades quanto ao lixo e cuidados com a dengue, por exemplo. Acredito que unindo educação e comunicação essa realidade pode ser transformada. O processo de conscientização é longo e permanente, mas tenho fé que persistir na educação desde a infância, vale a pena.