Ciência com Partido

3 de abril de 2019 Júnior Melo da Luz

Fabrício Silveira
Doutor em Comunicação. Pós-Doutor pela School of Arts and Media, University of Salford, Salford, UK. Pós-Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Ascânio Seleme publicou em sua coluna no jornal O Globo [no início de janeiro] que o Ministério da Educação está formulando novos critérios para a concessão de bolsas de estudo em nível de pós-graduação. “O critério ideológico será eliminatório. Se não passar por este, [o candidato] não avançará para os seguintes”, ele informou.

Pergunto-me sobre a monstruosidade que resultará daí. Uma ciência de partido único? Uma ciência partidarizada? Um tipo de conhecimento, sempre, politicamente subordinado? Um desconhecimento obtuso, na medida exata de sua parcialidade, muito embora validado partidariamente como científico? Uma perseguição pessoal e “corretiva” a pesquisadores e cientistas considerados “de esquerda”, conforme a régua míope e a sede revanchista do atual governo? O desprestígio das chamadas “ciências críticas” (das Ciências Sociais às Humanidades)?

Nos damos conta de que o desastre está realmente em curso – e que, pelo jeito, será irreversível – quando o Ministério da Educação não sabe mais o que é Educação e, não sabendo, faz política descarada, descaradamente.

E não se pode esquecer – até mesmo para que se possa exigir responsabilização, nesse contexto – a infinidade de bolsistas de pós-graduação, país afora, que, apesar de terem recebido suas bolsas – por seus méritos pessoais, vale reconhecer – e apesar de terem usufruído das conquistas educacionais possibilitadas pelas políticas petistas, tiveram, mesmo assim, seus direitos políticos respeitados, a ponto de poderem votar livremente, sem cabresto nenhum, no candidato que agora consuma, como política de Estado, a traição do país e a falência do sistema democrático no Brasil.

Já que o Ministério da Educação estuda então a possibilidade de conceder bolsas de pós-graduação apenas para “estudantes alinhados”, minha sugestão é a de que os eleitores de Bolsonaro que receberam bolsas de pesquisa durante os mandatos petistas devolvam o dinheiro que lhes permitiu concluir sua formação. Afinal, ao aprovarem, agora, a alteração das regras manifestam, mesmo tacitamente, uma “incongruência de princípios na prestação de contas”, pois quebram um “pacto de razoabilidade”, para não falar em traição pura e simples à comunidade acadêmica, à razão democrática e aos ideais republicanos, aos quais dão mostras de terem respeitado apenas por conveniência e não por comprometimento genuíno (subentendidos aí não só o respeito altivo ao suprapartidarismo e ao compromisso público, mas o próprio amor à ciência).

Isso não se configura como um crime de lesa-pátria? Um tipo muito refinado de falsidade ideológica? Que as evidências históricas se acumulem e mostrem o quanto minhas dúvidas não procedem, que são infundadas as minhas suspeitas. Ou que venha, de imediato, um novo desmentido do governo.

Publicado originalmente em 12/01/2019 em: https://medium.com/@fabriciosilveira_13890/ci%C3%AAncia-com-partido-467313361e25?fbclid=IwAR2FMbTor7JUEDQQ-OKl0Niwnoj7kjPJveFBVmv_qtdsyQUfVLjjchtVLKc&_branch_match_id=593774279278813795

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