Assédio ao vivo: levante a mão a jornalista que nunca foi acossada durante uma entrevista
30 de maio de 2017 Processocom
Nessa terça-feira, 30 de maio, assistimos, mais uma vez, o assédio de um entrevistado à uma repórter que tentava realizar seu trabalho. O tenista francês Maxime Hamou agarra e beija, à força, a jornalista Maly Thomas, da Eurosport, durante entrevista ao vivo após sua eliminação do torneio de Roland Garros. A moça tenta fazer perguntas sobre a partida e o rapaz a puxa, passa o braço em torno de seu pescoço e começa a beijá-la. Ela continua tentando levar a cabo sua tarefa de entrevistá-lo, enquanto busca se desvencilhar do, digamos, grosseiro esportista (veja o vídeo aqui: https://www.youtube.com/watch?v=BR_B1mMvIr0). É visível o constrangimento dela e sua total impossibilidade de se defender daquele assédio por estar em situação de trabalho em uma transmissão ao vivo (Maly chegou a declarar, mais tarde, que se não estivesse ao vivo o teria socado).
Hamou tem 22 anos e, talvez, estivesse inebriado pela euforia típica dos jovens. É até possível que sua intenção não fosse a de acossar a jornalista. Ele, como muitos, pode não perceber nada demais nessa ação. Os colegas de Maly, inclusive, acharam tudo engraçado e riram enquanto a situação se desenrolava. Um deles chega mesmo a bater palmas quando o tenista puxa a garota e a beija pela primeira vez. Minha proposta de reflexão, a partir desse exemplo, está justamente na naturalização dessas ações. O que faz com que um rapaz se sinta no direito de tentar abraçar e beijar uma mulher sem seu consentimento, usando até mesmo força física para lhe impor sua vontade? A resposta é simples: a naturalização do assédio. Vivemos em sistemas sociais nos quais é permitido que os homens sobreponham seus desejos aos das mulheres. Lhe parece demodê? Pois saiba que é a mais pura realidade.
Embora, quando convivamos em redes mais igualitárias e de condições paritárias entre os sexos tenhamos a tendência de esquecer essas verdades, porque nesses ambientes temos voz e capacidade de decisão, ela está presente e forte nas sociedades mundiais. A subjugação da mulher, o assédio físico e moral, a violência praticada contra o corpo, o patrimônio e o psicológico das pessoas do sexo feminino é tão presente que permite a manutenção de um imaginário no qual somos seres inferiores, à disposição dos homens e à serviço de suas cobiças. Situações que se complexificam ainda mais com a intersecção das opressões de classe e raça.
Basta ver os dados sobre feminicídios, por exemplo, o resultado mais extremo da ideia de posse masculina, para entendermos a necessidade de falar sobre o assunto, a fim de buscarmos construir uma sociedade melhor, mais justa e respeitosa. Nesse ponto, a mídia tem papel crucial, pois possui centralidade nos debates sociais, capacidade de influenciar comportamentos e legitimar atitudes. Mas, certamente, não será achando o assédio “engraçado” que as empresas e os operadores da comunicação contribuirão para o fim da cultura da masculinidade opressora. Já passou da hora de a imprensa assumir sua parcela de responsabilidade social nesses e em muitos outros casos. Manifestar repúdio era o mínimo que a Eurosport deveria ter feito. No entanto, a única represália que Hamou sofreu foi da própria organização do Roland Garros, que o baniu do torneio.