Basicão de cinema
23 de maio de 2017 Processocom
Vale de cara dizer que são dois os tipos assistência fílmica em que geralmente nos enquadramos: ou o consumo de cinema é um meio para pensar sobre a vida ou um meio para esquecer da vida. Distração, rompimento dos vínculos com o real, forma de abstrair das questões implicadas na vida social ou, ainda, pensar sobre a vida, com o filme atuando como um potencializador de reflexão, como um suscitador/enriquecedor de debates – são múltiplas as facetas que agregamos ao que consumimos. Seja para esquecer ou para refletir, a inter-relação do cinema com o cotidiano das pessoas está incrustada na sociedade, fazendo parte de nossas vidas tanto nas convencionais idas ao cinema, quanto nos filminhos em casa, no Netflix nosso de cada dia, e mesmo nas outras produções audiovisuais, como novelas e seriados, que surgem e têm ligação com a cultura cinematográfica referenciando-a e nos fazendo mergulhar em múltiplos universos.
O espectro social se transforma com o advento midiático e com ele formam-se modos de ver o mundo, de entender as mídias e de se relacionar com os outros. Isto vem lá do início, desde o surgimento dos jornais, até agora, com o crescimento gradual do alcance da internet, com as mídias acompanhando o desenvolvimento da sociedade. A reinvenção do fazer cinema, com o aprimoramento de tecnologias, o reinaugura, recria a novidade e chama público, se recriando a partir do novo. Primeiro o 3D, depois 4D, sempre haverão estratégias para manter o público e constituir diferenciais que transformam a experiência de assistência fílmica. A partir disso, as composições cinematográficas também se renovam, desde adaptações literárias para filmes, quanto a linha tênue que transita entre ficção e realidade nas produções por nós consumidas.
Um dos recursos da Sétima Arte é a adaptação. Trata-se de uma leitura fílmica de obras de outros gêneros, frequentemente literárias (romances, contos, biografias etc.), mas que também podem ser séries de TV ou até mesmo outros filmes. A movimentação de grande parte do público é de buscar no filme a obra anterior, o que, em geral, torna-se uma tarefa frustrante, pois a linguagem de cinema é diferenciada. Os processos interpretativos são pessoais, isto é, a mesma obra terá interpretações diferentes, pois os leitores carregam consigo trajetórias diferentes. Dessa forma, o sentido geral pode ser apreendido como o mesmo, ou não. Os livros incitam a imaginação do leitor, produzem as personagens e os cenários por meio das descrições. Os filmes, por outro lado, já trazem as figuras consolidadas e o que é passível de interpretação são os significados imbricados na narrativa.
Ao propor uma leitura fílmica faz-se, então, uma recriação do texto a partir da interpretação do roteirista e dos demais produtores do filme. É necessário que haja por parte do leitor um desprendimento (não completo, obviamente) da obra original, para perceber a interpretação que a ele está sendo exposta e poder desfrutá-la sem pré-julgamentos. Assim, a adaptação cinematográfica realiza-se em sua totalidade quando transcende os interesses financeiros e os preconceitos em termos de liberdade de criação e interpretação.
Em termos do cinema consumido em salas e espaços físicos que levam as pessoas para fora de suas casas para viver a experiência cinematográfica percebe-se que há poucas políticas públicas que garantam a prática. A proposição de políticas públicas pode potencializar a oferta cultural nas programações dos cinemas de Porto Alegre/RS. Para tanto, é preciso pensar que suas formulações afetam os demais campos da sociedade e possibilitam abrangência de movimentos e inauguração de novos, bem como manutenção de avanços, contendo uma possibilidade formativa na potencialidade da oferta cinematográfica diferenciada e plural e que contemple todos os públicos.
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* Uma primeira versão desse texto foi publicada aqui.