A violência de gênero midiatizada: quando a agressão é audiência

18 de abril de 2017 Processocom

Leticia Giacomelli

Recentemente um caso de violência ocorrido no reality show Big Brother Brasil, da TV Globo, expôs e colocou em debate a realidade de muitas mulheres, vítimas – por vezes sem se quer se perceberem como tal – de homens criados dentro de um sistema patriarcal violento, abusivo e autoprotetor. Na cena, veiculada pela edição do programa e repassada em várias outras mídias, noticiada, compartilhada, comentada nas redes sociais, um homem prensa uma mulher contra a parede, aos gritos, com dedo em riste em seu rosto, apertando-a cada vez mais. A agressão é clara, mas não houve nenhum tapa, nenhum beliscão e tampouco um puxão de cabelo, então, a direção do programa deixou que a briga seguisse seu “roteiro”, sem intervenções. E seguiu. O que acabei de descrever foi apenas o início da discussão. O descontrole do participante, de nome Marcos, era visível, mas a Globo permaneceu inerte. Por quê? Seria porque violência dá audiência?

A violência, em seus mais variados âmbitos, garante Ibope há muito, veja-se programas que se especializaram na espetacularização de coberturas de crimes, por exemplo, embora o efeito expositivo a isso venha sendo motivo de alerta por parte de especialistas. O próprio Dráuzio Varella, médico pop que faz parte do casting da Globo, já se manifestou sobre isso. Em um artigo de 2011 ele comenta: “apesar do consenso existente entre os especialistas de que há muito está caracterizada a relação de causa e efeito entre a violência exibida pelos meios de comunicação de massa e a futura prática de atos violentos pelos espectadores, o tema costuma ser abordado com superficialidade irresponsável pela mídia, como se essa associação ainda não estivesse claramente estabelecida” (confira o artigo aqui).

Marcos e Emily em cena de agressão. Fonte: reprodução TV Globo.

Então, fico eu, pensando aqui, no efeito devastador que pode provocar a ideia passada por um programa de televisão – que tem em um sua maior audiência o público jovem – sobre não intervir em casos de violência doméstica. É o reforço do dito no senso comum “em briga de marido e mulher não se mete a colher”, enquanto o correto seria ensinar que precisamos, sim, nos posicionar sobre isso. Não só se mete a colher, como se denúncia, não se critica a vítima e ligamos para o 180. Violência contra a mulher é crime e não é normal achar normal. Tampouco é aceitável que seja usada como entretenimento.

Alguns dirão que a rede Globo agiu. No entanto, a emissora levou dois dias para retirar o participante da casa onde ficam confinados, e só o fez depois da intervenção da polícia. Foi preciso a responsável pela Delegacia da Mulher da região abrir inquérito e ir até os estúdios da TV para que a emissora se posicionasse. Em sua defesa, o apresentador explicou aos telespectadores que nada foi feito antes porque estavam procurando agir de forma justa (?) e que o ocorrido é o mesmo que acontece do lado de fora do programa, na sociedade. A segunda parte é verdade, mas a magnitude e força simbólica alcançada por uma cena de televisão é alarmante. A confirmação dessa dimensão é o fato de o agressor ter fãs que declararam ódio à agredida, chegando a fazer protesto em frente à delegacia em sua defesa. De acordo com reportagem do jornal Extra, chegaram a gritar “me bate, Marcos”. Além do mais, não é injusto com ninguém deixar claro, desde o início, que a atitude violenta não pode ser tolerada e que não é preciso bater em uma mulher para que ela seja agredida. Intimidação, abuso psicológico, acuar a vítima, a deixando vulnerável, é violência também. Portanto, a Globo foi omissa. Se omitiu de agir e se omitiu de ser responsável por aquilo que veicula, em um jogo perigoso de “tudo pela audiência”.

#agressão#crítica da mídia#violência de gênero

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