La sconosciuta e o neonoir italiano de Giuseppe Tornatore (parte 2)
6 de abril de 2017 Processocom
Prof. Dr. Alexandre Rossato Augusti
Prof. Adjunto do curso de Comunicação Social – Jornalismo (Unipampa)
Pós-doutor em Comunicação e Informação (UFRGS)
A banda sonora tem papel fundamental nos filmes e não raro é o que qualifica determinadas obras e as conserva vivas por décadas em nossa memória. No caso das músicas de suspense desenvolvidas em boa parte da narrativa no filme A desconhecida (La sconosciuta – Giuseppe Tornatore, 2006), destaca-se que são compostas bem ao estilo noir, contando com o talento do famoso musicista Ennio Morricone, que colabora na construção da atmosfera negra com maestria. Em diversas cenas, momentos de tensão, expectativa ou agonia são percebidos com as personagens em silêncio e a música representando o único som que confere às cenas o estado psicológico dessas personagens.
Sobre a ambiguidade, enquanto elemento fartamente explorado nos filmes do noir clássico ou contemporâneo, reporta-se inicialmente à imagem da protagonista (a personagem Irena, interpretada por Kseniya Rappoport) que aparece às vezes refletida nos vidros das janelas de sua casa enquanto espia o apartamento do prédio vizinho em que vive sua suposta filha. O reflexo traz para o noir a característica da duplicidade para as personagens refletidas, remetendo aqui principalmente à duplicidade da protagonista, que vive vários papéis, fingindo, por exemplo, ser uma simples faxineira enquanto se verifica que há muito mais envolvido.
De seu apartamento, Irena espia pela janela e na penumbra. Crédito: fotograma do filme.
Há uma sequência em que Irena se revela muito fria e manipuladora, ao chantagear a filha do casal (Tea Adacher, sua suposta filha, interpretada por Clara Docena) para quem trabalha, já que a menina ameaça contar que ela não sabe dirigir, o que a criança verificou quando era buscada na escola pela motorista não habilidosa. Entretanto, a protagonista também apresenta um lado bom, pois presenteia a menina com o castelo de brinquedo que desejava. Isso manifesta mais claramente sua ambiguidade: ela também é boa para a menina, revelando seu carinho em diversas cenas.
Adiante, revela-se muito desequilibrada, ao usar métodos violentos para ensinar a menina a reagir quando sofre agressões dos colegas de escola. Tea tem problemas de reflexos, que a impedem de se proteger quando cai ou esbarra em algo. Irena amarra a menina e a empurra no chão, inicialmente estando protegida da queda por colchões e cobertores. Obriga-a a se levantar, o que faz com dificuldade, pois está amarrada até as pernas. Repete os empurrões tantas vezes que a menina entra em desespero e implora que pare. Ao desamarrá-la finalmente, Tea lhe dá muitos tapas no rosto, ao que Irena demonstra alegria, elogiando-a e lhe perguntado o porquê de não ter reagido antes.
Na sequência da narrativa, outra cena mostra a protagonista novamente treinando a menina, que está sempre amarrada, mas desta vez sem a proteção dos colchões e cobertores no chão. Esse fato faz com que ela sangre (sangue vermelho e muito evidente) após algumas quedas. A mulher pede, então, para que Tea bata nela. Surgem flashbacks com cenas de Irena caindo amarrada nas sessões de sadismo às quais era submetida enquanto prostituta. A violência física ganha cada vez mais notoriedade e também adquire forte potencial simbólico na narrativa. Pode-se pensar que agora é ela quem se coloca como o agressor (ainda que inconscientemente) e exige que a menina (a vítima em seu lugar), reaja, o que ela não fazia. Após, junta-a, desamarra-a, consola-a e a beija. São emoções muito díspares e intensas, que revelam ainda seu desequilíbrio.
As sequências que abordam a violência infantil chocam na narrativa neonoir. Crédito: fotograma do filme.
O sangue vermelho, evidente após a tortura, atribui à violência neonoir ainda mais impacto. Crédito: fotograma do filme.
Toda a narrativa parece suscitar emoções controversas e complexas das personagens principais, o que garante ao filme propiciar tensão e expectativa constantes, além de surpresas tipicamente noir.
Referência cinematográfica:
LA SCONOSCIUTA. Direção: Giuseppe Tornatore. Intérpretes: Ksenia Rappoport; Michele Placido; Claudia Gerini. Itália e França, 2006, 118 min, color. Versão do título em português: A desconhecida.