La sconosciuta e o neonoir italiano de Giuseppe Tornatore – Parte 1
14 de junho de 2016 Processocom
Alexandre Augusti*
O famoso cineasta italiano, Giuseppe Tornatore (à esquerda), que navega entre os créditos de escritor, roteirista, diretor e produtor, é conhecido no cenário internacional por diversos filmes que ganharam visibilidade também fora da Itália. É bastante lembrado, por exemplo, pelos títulos Cinema Paradiso (Nuovo Cinema Paradiso – 1988), Malena (Malèna – 1990) e A lenda do pianista do mar (La leggenda del pianista sull’oceano – 1998).
A atenção do presente texto se dá particularmente a uma das obras de Tornatore, A desconhecida (La sconosciuta – 2006), que apresenta muitos elementos noir, podendo-se compreendê-la como um filme neonoir, já que reorganiza os elementos do gênero primordial de acordo com as atualizações contemporâneas ao período de realização do filme.
A protagonista, Irena, interpretada pela russa Kseniya Rappoport, é uma estrangeira que procura uma vida melhor na Itália, mas se entrega à prostituição, participando também de um esquema em que casais compram os filhos recém-nascidos das prostitutas escolhidas por eles. Ao seguir as pistas de um dos nove filhos que gerou para tal esquema, ela se aproxima dos atuais pais da criança, infiltrando-se em seu apartamento como a nova babá, após ter provocado o acidente que quase causou a morte da babá anterior. Tal cena evidencia o sangue vermelho e bem notório, como os filmes neonoir em geral o apresentam.
Muffa espia Irena
Já na primeira cena, o filme mostra um grupo de mulheres com roupas íntimas sendo avaliadas por um homem que as espia por uma fresta na parede. Visualizam-se, então, dois elementos indicativos de uma narrativa noir: a nudez feminina e o ato de espiar. A cena se revela um flashback, outro recurso muito explorado pelos filmes noir, rompendo com a linearidade narrativa. Os flashbacks desta primeira cena são entrecortados por tomadas da mulher escolhida (Irena) pelo homem que espia e que a narrativa logo revela ser o seu futuro cafetão, Muffa, interpretado por Michele Placido, importante cineasta italiano, que oscila entre as funções de ator, diretor, escritor e roteirista.
A protagonista provoca o acidente que quase mata a babá.
Quando a protagonista é suspeita de roubo e revistada pelos seguranças de um supermercado, outro flashback a mostra sendo violentada sexualmente, no que parece ser uma sessão de sadismo, já que ela está amarrada e sofre, além de ser submetida contra sua vontade. É o desconforto da revista que a remete às cenas de sofrimento, o que se repete em outros momentos do filme, seja quando ela é desafiada do ponto de vista da tensão sentida ou mesmo em situações que a reportam ao ato sexual. Isso nos remete ao peso do passado, que conforme Silver e Ursine[1], atinge sobretudo os protagonistas dos filmes noir, que são obcecados por ocorrências anteriores e, em função disso, direcionam sua ação na narrativa.
Flashback revela a protagonista submetida a sessões de sadismo quando era prostituta.
Ainda que tenha realizado outros filmes que trazem elementos do universo noir, Tornatore parece ter recuperado o gênero com mais fôlego principalmente em O professor do crime (Il camorrista – 1986) e A desconhecida, tendo assinado a história, o roteiro e a direção em ambos.
[1] SILVER, Alain; URSINI, James. Film noir. Lisboa: Taschen, 2004.
Referência cinematográfica:
LA SCONOSCIUTA. Direção: Giuseppe Tornatore. Intérpretes: Ksenia Rappoport; Michele Placido; Claudia Gerini. Itália e França, 2006, 118 min, color. Versão do título em português: A desconhecida.
*Pós-doutorando UFRGS