ESPECIAL LUTA DAS MULHERES – Feminismo e cultura do estupro
10 de junho de 2016 nosoymarcelo
Foto tirada por Katiana Tortorelli para o Mídia NINJA na manifestação Por todas elas, no Rio de Janeiro, no dia 02 de junho de 2016.
Alguns dizem que não existe, que é “exagero de feminazi”[1], que, bom, “meninas amadurecem mais rápido do que meninos”, mas a cultura do estupro existe e é mais real do que nunca. Por que? Porque agora, na conjuntura social atual, é possível dar mais visibilidade a esta temática. O silenciamento das mulheres, apesar de ainda ser exercido, se dá de forma mais difícil, pois gera indignação e mobiliza parte da população para tentar superar a carga que vem da socialização das mulheres como seres inferiores aos homens, que têm responsabilidades com o lar, com os homens, com os filhos – porque têm que ter filhos, nessa lógica mulheres devem ser mães, no sistema opressor do patriarcado isto não é uma escolha.
Somos criadas para sermos belas, para sorrirmos, sermos delicadas, sermos vistas e “apreciadas”. A objetificação é cotidiana, está nas relações de poder no mercado de trabalho, está nos comerciais de TV, nas publicidades em suas múltiplas roupagens, e, inclusive, na Academia, quando é corriqueiro vermos estudantes questionando a posição de professoras por serem bonitas (se adequarem à beleza padrão), o que justificaria o cargo que ocupam, a entrada no corpo docente etc. A sociedade nos ensina desde novas a nos assemelharmos a bonecas, a sermos vistas não como muitas e diferentes, mas como uma, um modelo de mulher (e não mulherES), uma “mulher brasileira”.
A construção das mulheres como objeto de desejo vem da constituição de estereótipos e padrões aceitáveis de um eu feminino, além da regulação do corpo. Assim se forma um ideal da mulher, os contornos de um ser específico que exclui uma maioria e define o que é e o que não é belo, intenso, sensual… Tais definições levam a uma associação das possibilidades de empoderamento feminino diretamente ligadas aos padrões e regras da moda, sendo bem-sucedida a mulher que responde aos pré-requisitos destes padrões.
Mesmo dentro da luta feminista já se trabalhou com um ideal de feminilidade. Superadas tais questões, mesmo que em parte, binarismos começam a ser negados e o sexo passa a ser encarado como separado do gênero ao qual uma pessoa pertence e da sua identidade sexual, para além da divisão estática de feminino-masculino. Ao longo da consolidação do feminismo como um movimento concreto surge a ideia de sororidade, uma ideia de pacto, de irmandade feminina, de mulheres desconstruindo a ideia implantada socialmente de que são todas inimigas e se assumindo irmãs na vida e na luta.
Foto tirada por Leli Baldissera na manifestação Por todas elas, em Porto Alegre, no dia 02 de junho de 2016.
Mas todas as lutas e conquistas das mulheres estão atravessadas por um contexto social historicamente opressor, atravessadas pelo machismo do patriarcado, como dito anteriormente. A sociedade tem na figura do homem seu centro – é o mentor, é respeitado, é responsável e chama para si todas essas atribulações –, estando ele num patamar acima da mulher, vista como insegura e indefesa, o que leva a distinções em termos empregatícios, mas também de tratamento e lugar social. Além disso, essa configuração de sociedade abre espaço justamente para a cultura do estupro e para o slut shaming[2], o que diminui as mulheres em representatividade.
A partir da cultura do estupro[3] as mulheres são sujeitos que não podem negar sexo a homens, pois neste viés elas sempre querem, é sempre recíproca a vontade, então o estupro inexiste, talvez seja apenas “frescura” ou uma imposição por algum lado, mas no momento do ato a mulher queria e o demonstrava para o parceiro. É dentro deste contexto que são possíveis as violências, por já ter essa questão de inferioridade feminina enraizada na construção cultural, sendo este um problema social que deve ser desconstruído.
É necessário desfazer a ideia de que mulheres são posse dos homens, parte de suas redes de dominação, porque é nesse contexto que os homens se sentem protegidos numa ideia de poder masculino que vem com o patriarcado, que é regido pelas suas instituições e regras, tais como Família, Escola, Estado. Felizmente, vivemos um momento em que há maior visibilidade dos movimentos sociais e se problematiza o empoderamento dos sujeitos, tanto na luta das mulheres, quanto de negrxs, gordxs, LGBTTT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros), minorias em geral, principalmente devido aos avanços da internet[4], que dão voz a sujeitos que não estariam nas mídias e pautam temáticas também para a grande mídia[5].
Foto tirada por Leli Baldissera na manifestação Por todas elas, em Porto Alegre, no dia 02 de junho de 2016.
[1] Feminazi é um termo conservador que busca ofender as mulheres feministas as considerando “radicais”.
[2] O slut shaming é a cultura de que a mulher não tem direito à própria sexualidade. Não pode ter sexualidade, não pode demonstrar que tem.
[3] O Anuário Brasileiro de Segurança Pública aponta que a cada 11 minutos uma mulher é estuprada no Brasil. Mas estima-se que esse número corresponda a apenas 30 a 35% dos casos de abuso, apenas os registrados, o que indica que o número seja bem maior, possivelmente até uma mulher a cada minuto.
[4] O potencial da internet para propiciar reapropriações culturais, no entanto, é limitado. O alcance do mundo online não é totalizante, e mesmo nos lugares onde se tem acesso a tais plataformas há uma limitação nos usos – como os sujeitos entendem a internet, o que conseguem efetivamente realizar nesse campo, se conhecem as ferramentas etc.
[5] Essa grande mídia aborda os temas sob seu viés, que por vezes continua reverberando os mesmos preconceitos de outrora. Mesmo assim, é importante debater sobre tais assuntos e apresentar a temática aos sujeitos que consomem conteúdo dessa mídia.