A importância de Griôs na socialização de saberes e de fazeres da cultura
1 de junho de 2016 Processocom
A palavra griô tem origem na tradição oral africana, utilizada para designar mestres portadores de saberes e fazeres da cultura, esses transmitidos oralmente. Segundo a griô Adwoa Badoe, entre os povos do oeste da África, os griôs são aqueles que há séculos preservam e transmitem as histórias – principalmente as que se referem aos grandes líderes e à formação dos reinos, mas também às pessoas comuns. Tradicionalmente, os griôs contavam a história de seu povo na forma de poemas ou canções. Com o passar do tempo e com as mudanças que se processaram nas sociedades africanas, as maneiras de contar as histórias e mesmo alguns de seus episódios foram sendo alterados, de maneira a adaptar as narrativas tradicionais ao mundo contemporâneo.
A palavra griô ao ser incorporada à cultura brasileira teve seu sentido ampliado, sendo agregadas ao oficio do griô outras ações, como cantoria, dramaturgia, danças, além da contação de histórias; mas sem perder a sua referencialidade, quanto à valorização de transmissão de saberes por meio da tradição oral.
Tela: O Contador de história, de Eduardo Lima
Fonte: http://www.artmajeur.com/pt/artist/eduardolima/portfolio
Para a literatura africana o dono das histórias, o primeiro griô, teria sido Kwaku Ananse, o Homem Aranha. Pois, ele foi o único que conseguiu trazer para a Terra as histórias. Ananse o responsável pela divulgação de contos populares e mitos africanos por toda a África, Europa, Ásia e Américas. Para conhecer um pouco desse universo, trago o mito que explica o surgimento das histórias no mundo.
A História das Histórias
“Há muito tempo atrás, as pessoas não tinham nenhuma história. À noite, as crianças sentavam-se em torno das fogueiras, chegavam para os velhos e pediam: – Conta-nos uma história!
Mas eles não podiam contar.
– As histórias – diziam – pertencem todas a Nyame, o Deus do Céu, e ele as guarda no seu baú de ouro, ao lado do seu trono dourado.
Um dia, Ananse, o tecelão da aldeia, decidiu que iria subir até o céu para negociar as histórias. Então, ele levantou cedo e teceu uma teia imensa de prata, que se estendia até o céu, e por ela subiu.
Ao chegar ao céu, Ananse falou a Nyame, que desejava comprar suas histórias. Ao ouvir aquilo Nyame riu muito de Ananse, falando em seguida:
– O preço das minhas histórias, é que você me traga Osebo, o leopardo de dentes terríveis, Mmboro, os marimbondos que picam como fogo e Moatia, a fada que nenhum homem viu.
Nyame imaginava, que desta forma, faria Ananse desistir da ideia, mas Ananse apenas respondeu:
-Pagarei seu preço com prazer, ainda lhe trago Ianysiá, minha velha mãe, a sexta filha de minha avó.
Outra vez o Deus do Céu riu muito e respondeu:
-Ora Ananse, como pode um velho fraco como você, tão pequeno, pagar meu preço?
Desta vez, Ananse não respondeu, virou-se e desceu pela sua teia de prata que ia do chão até o céu. Foi pegar as coisas que Nyame exigia. Correndo por toda selva, finalmente encontrou Osebo, o leopardo de dentes terríveis. Que falou assim quando percebeu sua chegada:
-Ah, Ananse! Você chegou na hora certa para ser o meu almoço.
-O que tiver de ser será. – disse Ananse, que continuando ainda disse:
– Mas primeiro vamos brincar de jogo de amarrar?
Osebo que adorava jogos e brincadeiras, logo se interessou.
– Mas como se joga este jogo?
– Com cipós, eu amarro você pelo pé com o cipó, depois desamarro, aí, é a sua vez de me amarrar. Ganha aquele que amarrar e desamarrar mais depressa. – disse Ananse, respondendo a pergunta do leopardo.
– Muito bem, rosnou o leopardo já planejando devorar o Homem Aranha assim que o amarrasse.
Ananse, então, rapidamente amarrou Osebo pelo pé, e quando o leopardo estava bem preso, pendurou-o amarrado a uma árvore dizendo:
– Agora Osebo, você está pronto para encontrar Nyame.
Ananse cortou uma folha de bananeira, enchendo uma cabaça com água e atravessou o mato até a casa de Mmboro. Ao chegar, colocou a folha de bananeira sobre sua cabeça, derramando um pouco da água sobre si, e o resto sobre a casa de Mmboro dizendo:
– Está chovendo, chovendo, chovendo, vocês não gostariam de entrar na minha cabaça para que a chuva não estrague suas asas?
– Muito obrigado! Zumbiram os marimbondos entrando dentro da cabaça do Homem Aranha, que a tapou rapidamente. Após prender Mmboro na cabaça, ele a pendurou na mesma árvore que prendera Osebo, bem ao lado do leopardo dizendo:
– Agora Mmboro, você está pronto para encontrar Nyame.
Depois, foi esculpir uma boneca de madeira, cobrindo-a de cola, da cabeça aos pés, foi e a colocou aos pés de um flamboyant onde as fadas costumam dançar. À sua frente, colocou uma tigela de inhame assado, amarrando um cipó em sua cabeça, e foi se esconder em um arbusto próximo, onde esperando, segurava a outra extremidade do cipó. Passados alguns minutos chegou Moatia, a fada que nenhum homem viu, o último item pedido por Nyame. Ela veio dançando de uma forma que só as fadas africanas sabem dançar, indo até os pés do flamboyant. Lá, ela avistou a boneca e a tigela de inhame e disse:
– Bebê de borracha. Estou com muita fome, poderia me dar um pouco do seu inhame?
Ananse puxou o cipó de forma que parecesse que a boneca sinalizava um sim com a cabeça, com o sinal de aprovação, Moatia comeu todo inhame, agradecendo após o banquete.
– Bebê de borracha, muito obrigada.
Mas a boneca não respondeu. A ausência de resposta deixou Moatia brava, que em tom de ameaça falou:
– Bebê de borracha, se você não me responder, eu, eu vou te bater.
E como a boneca continuo parada, já que Ananse não puxara o cipó, Moatia deu-lhe um tapa na boneca, ficando com a sua mão presa na bochecha cheia de cola. O que só serviu para aumentar a irritação da fada, que novamente ameaçou;
– Bebê de borracha, se você continuar a não me responder, eu vou lhe dar outro tapa.
Como Ananse continuava sem mexer o cipó, a boneca continuo parada. Moatia deu-lhe um outro tapa, ficando agora com as duas mãos presas. Mais irritada ainda, a fada tentou se livrar com os pés, que também ficaram presos. Ananse então saiu de trás do arbusto, carregou a fada até a árvore onde se encontravam presos Osebo e Mmboro e disse:
-Moatia, você está pronta para encontrar Nyame.
Após deixar Osebo, Mmboro e Moatia, Ananse foi até a casa de Ianysia, sua mãe, sexta filha de sua avó. Ao chegar, olhou para sua mãe e disse:
– Ianysiá, venha comigo, irei te dar a Nyame em troca de suas histórias.
Ananse começou a tecer uma imensa teia de prata em volta do leopardo, dos marimbondos e de Moatia, depois uma outra teia, que ia do chão até o céu, quando terminou, subiu por ela carregando seus tesouros. Caminhou até os pés do trono de Nyame e o saudou:
– Nyame! Aqui está o preço que você pediu por suas histórias, Osebo, o leopardo de dentes terríveis, Mmboro, os marimbondos que picam como fogo e Moatia, a fada que nenhum homem viu. E como prometido, ainda lhe trouxe Ianysiá, minha velha mãe, sexta filha de minha avó.
Nyame ficou maravilhado, quase não acreditando no que via. Chamou todos de sua corte dizendo:
– O pequeno Ananse, trouxe o preço que peço por minhas histórias, de hoje em diante, e para sempre, elas passam a pertencer a Ananse e serão chamadas de histórias do Homem Aranha! Cantem em seu louvor!
Ananse, ficou maravilhado, desceu por sua teia de prata carregando o baú das histórias de Nyame, histórias que ele conquistara e passavam a ser suas. Chegando em sua aldeia, o Homem Aranha abriu o seu baú, e desta forma as histórias se espalharam pelos quatro cantos do mundo.
No Brasil coube ao Mestre Didi – Deoscóredes Maximiliano dos Santos, a condição de porta-voz autorizado da tradição negra na Bahia. Reconhecido internacionalmente pela estética afro-brasileira, o artista plástico e escritor divulgou em seus contos populares, lendas e mitos africanos, publicados em versão bilíngue, português-yorubá, o sobrenatural em harmonia com o cotidiano.
Em seus contos Mestre Didi escrevia como falava, pois para ele as suas narrativas deviam ser entendidas de forma simples, já que nas narrativas a linguagem se mantem móvel, sempre aberta a uma nova narração individual e oral.
Não só na Bahia, mas em vários estados nacionais estão se estruturando políticas afirmativas para a inserção de griôs em diferentes espaços educativos. No Rio Grande do Sul, a nível estadual, há a Lei Griô, que a exemplo da lei nacional em tramitação, objetiva a valorização e o reconhecimento da tradição oral, buscando entre outras medidas a preservação desses mestres da tradição oral e sua inserção nas escolas. A proposta de inserção de griôs na escola tem como meta o rompimento com a lógica positivista em que a educação é separada da cultura. Além dessa empreitada tem-se também outra, que é a formação de futuros griôs.
Em alguns espaços sociais a inserção desses metres da cultural oral vem se constituindo como uma opção de turismo sustentável, como exemplo “As trilhas griôs da Chamada Diamantina (BA)”, as quais tem em seu roteiro turístico a contação de histórias e de mitos, e a apresentação dos costumes da comunidade. Para isso a comunidade, com apoio de pesquisadores, tem realizado levantamento desse acervo cultural, incentivado os moradores a reconstituírem a história do lugar e a participarem dos projetos. Se constituindo, assim, como uma pedagogia griô.
A cultura na perspectiva griô não é dicotômica. Não se explica o mundo fragmentando-o; ao contrário, aborda-o por todos os ângulos possíveis, explica-o por parábolas, por analogias, por relações simbólicas e por experimentação. Daí a riqueza de se ouvir mitos, lentas e contos, uma vez que o elemento verbal da história, escrito, desprovido de som, de respiração, despojado da relação interpessoal, é apenas sua imagem mumificada.