Encontrando Caio F.

12 de junho de 2014 Processocom

Laura Wottrich

Entre uma ou outra caixa, surge uma folha rota de jornal, com marcas aparentes de um tempo passado. Sempre penso que os recortes encontrados entre objetos esquecidos falam mais de nós do que de si. Abri a folha amarelada. Tratava-se de um texto de 2009, escrito por Guilherme Passamani no jornal Diário de Santa Maria. No texto, Guilherme narra um sonho seu com o escritor gaúcho Caio Fernando Abreu pelas ruas de Paris. Lembro de, na época, ter guardado o recorte com afeto.

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Em 2009, Guilherme era professor do curso de Ciências Sociais da UFSM. Hoje, é  doutorando em Ciências Sociais na UNICAMP. Já Caio F., em 2009, havia nos deixado há 13 anos. Em 2014, completou-se 18 anos de sua morte. Na época, o conhecimento sobre o autor ainda era restrito a certos círculos acadêmicos, antes ainda de seu nome viralizar no Facebook, com frases poéticas cuja autoria é atribuída – na maior parte das vezes, de forma equivocada – a ele.   Passados 5 anos, nos reencontramos, Caio, Guilherme e eu.

No texto, Guilherme relata um encontro com Caio pelas ruas da cidade-luz numa certa manhã de fevereiro. O trajeto dos dois, entre Notre Dame à Ponte Alexandre 3º, não é descrito com a precisão dos aborrecidos, mas sim com um tom suave, como se a leitura acompanhasse o ritmo da caminhada. Os lugares pelos quais os dois flanam tornam-se mais próximos com as menções de Guilherme às obras de Caio. O leitor pode não conhecer os caminhos da estação Trocadero ou ter avistado os imponentes 318 metros da Torre Eiffel. Se tiver lido Pela Noite e conhecido Pérsio e Santiago, poderá talvez entender a sensação de estar lá. Referências suspirosas para aqueles que admiram Estranhos Estrangeiros, entre os outros livros do autor.

A impressão que senti ao ler pela primeira vez o texto manteve-se: a despeito de todas as referências à obra, o mais bonito do texto não estava no conhecimento sobre Caio, mas no tom. Conseguiu honrar a obra de Caio de um modo gentil e honesto, sem banalizá-la. Após a morte do escritor em 1996, muitos textos tentaram prestar homenagens a sua obra e influência. Me lembro de uma matéria lamentável publicada no mesmo jornal em 2006, ocasião dos 10 anos do falecimento de Caio. Nela, pouco se falava da relevância de seus escritos, e muito sobre “o-quanto-o-escritor-gay-e-excêntrico-que-saiu-de-santiago-era-agora-reconhecido”. Fotos de seus pertences pessoais, feito resquícios de uma vida insólita, ilustravam o texto. Triste.

Logo que reli o fragmento amarelado de jornal, me lembrei de uma passagem da carta enviada por Caio a Jacqueline Cantore menos de um ano antes de sua morte: “[…] Na seca de amor que sinto agora, nesta Porto Alegre que é como uma enorme plateia à espera do Desfecho Trágico da Desvairada Vida de Caio F. para imediatamente providenciar algum nome de biblioteca num centro cultural de subúrbio, nesta Porto Alegre onde ninguém exceto Luciano Alabarse e Lya Luft me procuram sinceros e leais, sozinho com a velhice de meus pais, minhas plantas me consolam”.

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É de Lya, a propósito, uma das homenagens mais bonitas e dignas a Caio que conheci. Ela teve a gentileza do acaso e do tempo a seu favor: pôde conhecer e conviver com o escritor. Outros, como Guilherme, apenas sonham.

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