Egito: os jovens fazem história

26 de abril de 2011 Processocom

Fonte: Nagib Nassar(*), UnB Agência

A história da revolução egípcia ainda não foi totalmente contada, mas há algo conhecido sobre os atores, os personagens e os acontecimentos que a fizeram e como os jovens alunos de universidades, recém-formados ou até profissionais médicos, advogados e engenheiros mudaram a cara do Egito e do mundo árabe inteiro. A mais dramática notícia relevante foi publicada como anúncio no Alahram, maior jornal diário do país, em 21 de abril de 2008: o pedido de um diretor de alta escola técnica, apelando ao presidente Hosni Mubarak e à sua esposa para intervir e libertar a filha da prisão.

Descobriu-se que Israa Abd El-Fattah, de 27 anos, havia sido presa 10 dias antes, por ter colocado uma página no Facebook incentivando os egípcios a apoiarem uma greve na cidade industrial de Mahalla Alquobra, marcada para 6 de abril daquele ano.

Em seu tempo livre, Israa e dois colegas criaram uma página no Facebook. Poucos dias depois de publicá-la, mais de 70 mil pessoas apoiaram o seu convite. Depois das forças de segurança reprimirem os enormes protestos contra o regime em al-Mahalla, em 6 de abril ela foi detida. Embora milhares de pessoas tivessem sido detidas nas últimas três décadas, esse foi o primeiro mandado emitido contra uma mulher, sob as leis de emergência impostas no país desde 1981. Para sair da prisão, ela teve de se desculpar e expressar arrependimento por suas ações. Mas a experiência fez dela mais determinada do que nunca para ser politicamente ativa.

Naquele dia, que passou a ser denominado “6 de Abril de Jovens”, o movimento foi criado, passando a manter presença política, pelos dois anos e meio subsequentes, em todos os fóruns de redes sociais como Facebook, Twitter, e YouTube. Quando o presidente da Tunísia, Zein al-Abideen Ben Ali, foi deposto, em 14 de janeiro de 2011, após levante popular de quatro semanas, o movimento 6 de Abril mobilizou milhões de jovens de todo o mundo árabe, que, por ele inspirados, sentiram-se energizados e prontos para ação.

De olho no calendário, Israa e colegas escolheram o feriado egípcio seguinte, que ironicamente foi o Dia da Polícia, a terça-feira 25 de janeiro. Na sequência, convocaram, pelos sites de mídia social, protestos em massa e uma revolta contra o regime de Mubarak. Os jovens pediram o início de uma marcha em todas as principais praças, mesquitas e igrejas do Cairo e de Alexandria. Ao mesmo tempo, apelaram a outros jovens para ajudarem a planejar passeatas nas demais cidades egípcias. Eles insistiram que os protestos deveriam ser pacíficos e que ninguém deveria levar armas de qualquer tipo.

De início, fizeram quatro exigências evoluírem nos dias seguintes ao pedido de saída do ditador Mubaral: que o governo desenvolvesse programas de combate à pobreza e ao desemprego; que acabasse com o estado de emergência; que defendesse a independência judicial; que demitisse o ministro do Interior, cujo ministério era notório na prática de tortura e no abuso contra os direitos humanos, e promovesse reformas políticas (incluindo a limitação de mandatos presidenciais a dois períodos, a dissolução do Parlamento e a convocação de novas eleições após a fraude eleitoral maciça de novembro do ano passado).

Em dois dias, mais de 90 mil jovens se inscreveram e conduziram um protesto global em todo o Egito. Inicialmente, nem o governo nem a oposição levaram a sério o ato. O movimento 6 de Abril é um dos componentes dos jovens que protestaram e levaram à queda de Mubarak e mudaram a cara do Egito. Essa juventude altamente politizada e fortemente organizada é contra o sistema social e econômico.
Classificá-la de anticapitalista seria um julgamento pouco teórico. Ela é contra a injustiça e a desigualdade social crescente. É nacionalista no bom sentido e anti-imperialista. Por isso, não tolera a colonização israelense na Palestina ocupada. É democrática e totalmente contra a ditadura do exército e da polícia.

Esses jovens têm lideranças descentralizadas. Quando foi dada a ordem para protestar, a mobilização alcançou 1 milhão de adeptos. Dentro de poucas horas, o número subiu para 15 milhões, em toda a nação, incluindo os bairros de pequenas cidades e aldeias. Eles persistiram nos dias seguintes, enfrentando balas e bombas, até derrubarem o regime autoritário. Deles levantou o vento que soprou em todo mundo árabe.

(*) Nagib Nassar, Professor emérito da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador sênior do CNPq

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