O encantamento pela ciência
27 de outubro de 2009 Processocom
Nísia Martins do Rosário
Desde o início da minha vida docente (1997) a cadeira de Pesquisa em Comunicação – que teve tantos outros nomes – vem me acompanhando. É uma disciplina que se propõe a ensinar/auxiliar os alunos de graduação e de pós-graduação a elaborar e desenvolver seus projetos de pesquisa – que mais tarde serão postos em prática no trabalho de conclusão de curso, assumindo o formato de TCCs, dissertações e teses. A experiência nessa dimensão docente me faz entender que não é possível dizer que a tarefa de pesquisar seja fácil para alunos que vêm de cursos eminentemente voltados às práticas de mercado. Refletir em outra dimensão, a do universo acadêmico, requer esforço diferenciado. Além disso, onde está o encanto da ciência? Onde estão sua beleza e sedução?
Nesses momentos sempre me vem à mente um texto de Rubens Alves que se intitula “Procura-se um flautista feiticieiro” – referindo-se ao flautista de Hamelin, que ao tocar sua flauta encantava os meninos, que o seguiam pelas ruas. Para além dos contos de fada, com essa metáfora o autor discute a importância dos jovens encantarem-se pela ciência. Para ele a paixão pela ciência vem das entranhas, do corpo, da carne – e concordo plenamente:
Primeiro amar, depois conhecer. Conhecer para poder amar. Porque, se se ama, os olhos e os pensamentos envolvem o objeto, como se fossem mãos, para colhê-lo. Pensamento a serviço do corpo, ciência como genitais do desejo, para penetrar no objeto, para se dar ao objeto, para experimentar união, para o gozo. Lembra-se de Nietzsche? Pensamento, pequena razão, instrumento e brinquedo da grande razão, o corpo.
Um dos motivos dessa desconexão é que o que prevalece é o interesse voltado às práticas mercadológicas com suas regras, normas e manuais, desatrelando essa realidade de outras igualmente importantes: as da reflexão, do conhecimento, do questionamento. Isso obviamente é um erro, uma incompletude da vida acadêmica. Nessa via, fica difícil entender por que afinal de contas é preciso realizar uma pesquisa científica antes de sair da universidade. Depois, tem todo o ritual e o pavor da banca.
As considerações possíveis sobre essa realidade são simples, mas impalpáveis: a universidade não tem o papel de ser um curso técnico, mas de ensinar a pensar, ela atravessa a vida do sujeito para estimulá-lo a refletir, a ser um pensador capaz de alterar sua realidade. Há muito tempo, porém, a dimensão mercadológica se desconectou da acadêmica – como numa fratura tectônica. O resultado foi o surgimento de dois mundos separados, com fronteiras difíceis de transpor. É como se a ciência virasse o reino perdido de Atlântida, ao qual só poucos (os cientistas) poderiam ter acesso vivendo numa dimensão paralela. Como na lenda, parece que o coração sábio e puro dos atlantes-cientistas se endureceu levado pelas disputas e pelo poder. Assim, não são mais capazes de encantar os seres para o saber e para a ciência. A pergunta de Rubem Alves se faz minha também: “Que estórias contaremos para fazer nossas crianças e nossos jovens amarem o futuro que a ciência lhes oferece? (…) Que me dêem uma boa razão para que os jovens se apaixonem pela ciência. Sem isto, a parafernália educacional permanecerá flácida e impotente. Porque sem uma grande paixão não existe conhecimento”.
Que renasçam, pois, os cientistas feiticeiros com sua imaginação selvagem, trazendo a alegria e a diversão da ciência. Que o novo mundo que a ciência inicialmente anunciou continue sendo seu alvo.
Referência
ALVES, Rubens. Procura-se um Flautista feiticeiro In: ___ Histórias de quem gosta de ensinar. São Paulo: Cortes/Autores Associados, 1984.
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