Subindo o Morro…

19 de outubro de 2009 Processocom

Daniel Barsi

Estou, desde o mês passado, em Fortaleza fazendo trabalho de campo. Tem sido uma experiência bastante interessante e rica para o desenvolvimento da minha investigação, no entanto não é propriamente de pesquisa que venho falar aqui, apesar do assunto sobre o qual vou tratar (aliás, vou contar) estar diretamente ligado à minha tese em construção.

Dia desses fui com o pessoal do Aldeia (uma das associações que forma meu objeto de referência) ao morro Santa Terezinha acompanhar a produção de uns vídeos, que seriam feitos para serem enviados ao projeto carioca “Museu da Pessoa”, que tem como elemento norteador a proposta de que toda história de vida é capaz de mudar o mundo. O Aldeia ia produzir dois vídeos para mandar para o projeto no Rio e os filmes (que não poderiam ultrapassar 1 minuto) participariam de uma espécie de votação.

O objetivo era filmar Janaína e Flávio, jovens moradores do Morro Santa Terezinha. Ela falaria sobre metamorfose, sobre o fato de nós, sujeitos sociais, estarmos o tempo todo tendo que nos adaptar aos mais diversos episódios que a vida nos reserva. O rapaz é conhecido no Morro como Michael Jackson, por imitar o astro americano recém-falecido e exibir seus passos e sua dança todos os sábados numa das praças da comunidade para os vizinhos e amigos.

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Logo que chegamos ao Santa Terezinha fomos à casa de Janaína, onde estavam ela e Flávio nos esperando. A minha primeira surpresa foi quando o pessoal da ONG comentou que ela, uma moça de 19 anos,  montou uma pequena Lanhouse, num dos cômodos mesmo da pequena casa. O espaço tinha cinco computadores, headphones e toda uma “pinta” de Lanhouse do “asfalto”. Mas o mais interessante era um cartaz, em letras garrafais, bem no centro do espaço, que dizia: “proibido entrar em site pornô”. Sim, aquela é uma Lanhouse “de família” e ali não se aceita “semvergonhice”.

Quando chegamos ao local que abrigará futuramente a nova sede do Aldeia (eles estão se mudando definitivamente para o Morro, já que a maioria de suas ações concentram-se naquela área e eles querem ficar mais perto dos jovens de lá) a grande surpresa da tarde começa a se revelar. Michael Jackson prepara-se para seu show. O rapaz começa perguntando se o vídeo estará no Youtube, para que ele possa mostrar aos amigos. Após a resposta afirmativa ele inicia os passos robotizados, sincronizados, deslizantes, como um verdadeiro Michael. Após a dança ele fala do prazer de imitar o astro pop, coisa que faz desde os 14 anos (atualmente está perto dos 30), e do desejo de ser reconhecido como cover de Michael Jackson e alcançar sucesso através disso. Conta que aos poucos, com a ajuda dos amigos, foi conseguindo arranjar as peças de roupas necessárias para a performance e que já era convidado pela comunidade para se apresentar em aniversários e alguns eventos do Morro. Flávio ainda disse que um dos amigos já tinha colocado uns vídeos de suas apresentações no Youtube e que muita gente elogiava sua dança através de sua página no Orkut e, também, em conversas pelo MSN.

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Ainda estou “digerindo” todos os acontecimentos dessa visita ao morro, tentando entender as coisas. De antemão tenho em mente, de forma bastante clara, a presença que as mídias têm na vida dos jovens do Morro Santa Terezinha. Eles falam de Orkut, Youtube e MSN com uma propriedade impressionante. Seus celulares fazem tudo: tiram foto e filmam em ótima resolução, tem Bluetooth, etc. E são bonitos, coloridos, pequenos e leves, mais modernos do que os aparelhos dos coordenadores da ONG e do pesquisador que vos fala. O desejo de visibilidade que atravessa esses jovens também chama atenção… Uma demanda de reconhecimento, de fama, de uma certa autoridade, mesmo que apenas local, entre os pares. Enfim, foi uma experiência rica e instigante, como está sendo todo esse processo de acompanhamento dos jovens do Aldeia e do Encine aqui em Fortaleza.

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