A dança revelada no escuro
21 de setembro de 2009 Processocom
Projeto de inclusão social e igualdade cultural é oferecido a deficientes visuais
Stéfanie Telles
Todas as quartas-feiras, às 16h, a sala Cecy Frank da Casa de Cultura Mário Quintana (CCMQ) em Porto Alegre é palco de um projeto memorável. Pontualmente, cerca de trinta jovens uniformizados com malha e sapatilha, aguardam o início da aula de balé clássico espalhados na sala cercada de espelhos. Até aí, tudo normal. Porém, a partir do momento em que se percebe que aqueles jovens, tão atentos e determinados são portadores de baixa visão ou cegos, a percepção muda e a normalidade instaurada encanta.
O projeto “Dança e Sentidos” é coordenado pela professora e coreógrafa Jussara Miranda, juntamente com a psicopedagoga Joana Amaral e os professores Cristiano Carvalho, Paola Verdun e Regina Célia Tanski. Destinado à crianças e adolescentes cegos e de baixa visão, entre 06 e 18 anos de ambos os sexos, o projeto é realizado de forma voluntária desde outubro de 2007 e visa estimular os alunos através da dança.
Duas vezes por semana os jovens fazem o mesmo trajeto. De Alvorada, descem no fim da linha intermunicipal no centro de Porto Alegre e, a pé, deslocam-se para o quarto andar do CCMQ. Lá, realizam aulas de uma hora e meia onde são aplicadas técnicas de dança clássica.
A ideia inicial do projeto era ministrar a dança contemporânea mais simples aos alunos, no entanto, os professores descobriram que os deficientes visuais tem mais equilíbrio estático que pessoas com a visão normal, o que facilita a adaptação ao balé clássico.
Os professores trabalham focados nos sentidos, com prioridade em processos táteis, mediadores sonoros e mediadores de luz. “Em apenas sete meses de trabalhos o grupo atingiu independência motora espacial, melhora na sociabilização e no rendimento escolar”, afirmou a psicopedagoga Joana Amaral.
A primeira turma de balé clássico para deficientes visuais do Estado realizou sua primeira apresentação em Porto Alegre no Theatro São Pedro em 2008 com a peça “O jeito de cada dança”. O tema, as músicas e as construções coreográficas da peça foram sugeridas pelos próprios alunos que, guiados e dirigidos pelos professores, puderam experienciar um nível mais avançado do processo, o de co-autoria.
“O talento está em todos. Os deficientes visuais são mais seguros, mais sensíveis, tem mais vontade, autonomia e confiança, além de serem mais perfeccionistas e pontuais. Trocamos grandes lições com essa turma”, confessa Joana.
Os profissionais envolvidos querem buscar capacitar ainda, um oficineiro cego e dois videntes estagiários para estarem preparados a darem continuidade ao trabalho. Outra realização do projeto é a produção do segundo volume da Cartilha de Dança em Braille, dando seguimento ao sucesso do primeiro volume lançado no ano passado.
Outra grande novidade desta iniciativa é a finalização do site “Dança e Sentidos”, que tem caráter inédito no meio artístico e midiático. Uma ferramenta que além de informar e divulgar a dança no Estado, o projeto desenvolvido e seus resultados, terá acesso universal. Os próprios alunos serão incentivados a usufruir de tal meio de comunicação que ainda não fornece grandes possibilidades de acesso aos portadores de baixa visão e cegos.
Claramente um projeto ousado de verdadeiros agentes de transformação social que, de forma voluntária, buscam apresentar a estes jovens ferramentas e caminhos possíveis na busca de um futuro promissor.
Curiosidade
A 1ª Cartilha da Dança em Braille do Brasil, iniciativa da Secretaria de Cultura do Estado, foi lançada durante a 54ª Feira do Livro de Porto Alegre, em comemoração ao sucesso do primeiro ano do projeto “Dança e Sentidos”. Para 2009, está previsto o lançamento da 2ª Cartilha da Dança em Braille, ainda sem data e local determinado.